29.3.07

O dia em que eu me engoli



E um belo dia eu me engoli. Isso mesmo. Bateu um vento forte e respirei com tanta força que acabei por engolir a mim mesma. E no insucesso de me segurar por entre minhas próprias glândulas salivares, fui escorregando, escorregando... Descendo sem conseguir me agarrar à superfície alguma. Descendo, descendo... Passei pelo tubo digestivo escorregadio e continuei a descer, sentindo o desespero que se sente numa queda. E fui descendo e caindo até que parei no estômago - este já corroído pelas noites e noites de irresponsáveis bebedeiras e ingestão de comidas nem tão saudáveis. Ali permaneci durante alguns minutos, sentei e refleti. Lembrei das citadas noites. Lembrei do que eu havia feito com meu próprio estômago. Neste ínterim senti-me queimar. Mas a queimação não era por arrependimento ou sentimento de culpa qualquer, e sim meu próprio suco gástrico que começava a me corroer. Decidi não ficar para ser digerida por mim mesma. Eu devia tentar sair de dentro dali. Onde já se viu morte honrosa causada por sucos gástricos? Faria o espírito de Napoleão cair em gargalhadas.

Agarrei-me às paredes de meu próprio e coitado estômago e escalei. Consegui regressar ao tubo com dificuldade e continuei a escalada rumo à saída mais próxima. Subindo, subindo... Subindo em direção à luz. Lá dentro é tudo tão escuro!

De repente, TURBULÊNCIA! Meu Deus, como tremia! Culpa das cordas vocais histéricas que cismavam em cantar nas horas mais inapropriadas. Quase que a tremedeira me fez cair de volta ao estômago, mas no desespero, subi mais rápido ainda, passei direto da boca e cheguei até o cérebro. Nunca na minha vida escutei tanta besteira junta. Os ecos (ecos, ecos, ec..). Que pavor! Tanta coisa rodando e gritando e ecoando ao mesmo tempo (uma bagunça!) que resolvi sair de lá o mais rápido possível. O cérebro, talvez o órgão menos privilegiado do corpo humano. Nunca vi órgão mais atarefado. Responsável por botar tudo em ordem, e no meu caso freqüentemente sem êxito.

E desci rumo à boca. Me cuspi. Mas cuspi-me com tanta força e tanta vontade que acabei por descer água abaixo junto ao ralo.


Nunca mais me vi.

Um comentário:

Tadeu Ribeiro disse...

Esgueirando-se pelos dedos serelepes que regiam a orquestra. Como poderia um movimento tão primata produzir som tão etéreo?