O vômito
Talvez não tenha sido uma boa idéia.
Não exatamente boa, mas razoável.
Enfiar o dedo na goela, em parte, tratava-se de um plano emergencial para se esguiar da miséria e do tédio. O vômito em si era parte imprescindível. Mas era o ápice. Antes dele, eram necessários dezenas, talvez centenas, de movimentos, voluntários e involuntários, que descreviam a mesma importância para a realização de todo o plano orquestral.
Era necessário cada músculo abdominal, cada vontade ínfima de suas enzimas, cada comando neural, cada gesto de desespero, cada franzimento abrupto na testa e em volta dos olhos, que culminariam no expelir do líquido quente e orgânico. Também era extremamente necessário o formato milimetricamente circular da boca que se deixava cair aberta. A língua semi-projetada para fora. Quase livre. Querendo, impulsivamente, escapulir do frêmito interno vindouro.
Era necessário também que o mundo parasse para apreciar aquele som que seria emitido – o som da derrota, e do nojo.
Nojo de tudo que se movia e que inspirava alguma confiabilidade. A confiabilidade é dispensável. Pelo menos no momento do vômito. Nesse mundo, tudo é dispensável quando se encontram razões pelas quais se mover e com as quais se ocupar.
E ela vivia para vomitar – seus sucos gástricos, e toda a mediocridade que ela era impelida a engolir todo dia. Todo santo dia.
5 comentários:
Ótimo texto!
Para mim, o vômito tem um sentido de algo não dito, de algo que precisa ser lançado para fora.. emoções, mágoas, palavras..
Beatriz
CARTAS AO AVESSO
Ótimo!
Adorei... o 'frêmito interno vindouro' está impagável...
É, às vezes, deglutimos, às vezes, o melhor é vomitar...
Beijos
Muito boa verbalização das palavras ! Argumentos lúcidos, distantes de manipulações ideológicas , tornam este texto algo intrínseco e coeso. Muito bom !
Vomitar é sempre bom...depois que sai tudo.
Ingerimos tudo:amores, ideologias, costumes, culturas, bandeiras, identidades... O vomito é um passaro que foge da gaiola.
Lisa
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