10.9.07

Sempiterna


Os ditonormaisnão seriam capazes de distinguir a linha que separava ela da escuridão. Ela, por pouco, sabia o que de fato era ela e onde de fato se encontrava. Por muitas vezes, se punha de , lutando contra o sono imanente a seu corpo. Por muitas vezes ela mesma se afligia dessa condição arraigada em seu leito e lar. Ela até que se aborrecia, se danava, se enfurecia, e esperneava. Mas o sono e a escuridão eram coisa intrínseca a ela e ao que a rodeava. Quantas vezes ela, no esforço de sua memória, tentando lembrar o claro na escuridão, se pôs de em frente à maciça janela de seu quarto e ali permaneceu por horas? Ela não saberia dizer. A escuridão naquele lugar era algo imutável e inabalável. Uma condição permanente e indelével. E no meio dessa imperturbável imensidão negra, ela somente distinguia pelo vulto mais negro que o próprio negrume, que denunciava o suposto lugar das árvores, do seu carro no quintal, da sua vida inutilizada e imóvel. a mulher se cansa, boceja, e seus olhos começam a lacrimejar como se pedissem urgentemente repouso. Tateia pelas paredes sua ida de volta à cama e embala num sono profundo e tranqüilo. Enquanto isso a escuridão reina inconseqüentemente como se ela fosse indubitável e implausível de qualquer espécie de questionamento; como se ela fosse irrevogável e imperecível - a própria rainha inviolável. Depois de horas, num sobressalto, a mulher começa uma árdua batalha entre ela e os lençóis da cama, que como polvo de mil tentáculos a agarra e não a deixa reagir: a imobiliza. Ali permanece estática e imóvel durante alguns minutos, tentando distinguir o que é teto, o que é parede, o que é ela e o que é o pretume costumeiro. Desgarra-se dos lençóis e pula fora da cama, esbaforindo-se rumo à janela, a parte menos negra (ou mais acinzentada) de sua plenitude. E ali se põe a pesquisar se tudo permanece conforme e congruente. O vulto de seu carro hora parece maior, hora menor, do que costumava ser. As árvores parecem maiores. Porém tudo continua cordato a antes. A vasta negridão continua imorredoura. E a mulher no fundo sabe que permanecerá assiminfindável. Nãocomo fugir da escuridão, pois ela é definitiva, inquebrantável, fixa e inalterável. A mulher volta para a cama e dorme.


12 comentários:

Menina Lunar disse...

Belíssimo, Bina.
Permanecer assim - infindáveis.
Tanto nas noites insólitas quanto nas manhãs agradáveis.

=]

Beijo!!

Edna Federico disse...

Fiquei me sentindo no lugar dela e foi me dando uma agonia,afff...riso.
Muito bom!
Beijo

Anônimo disse...

Lembrou-me Clarice Lispector. Sua crônica é algo inconsciente, surrealista... Muito belo.Parabéns!!!

Anônimo disse...

Em uma só palavra:Excelentissímo!!!!!!!!
MILETRAS

Abluê! disse...

nossa Poe encontra ... sei lah, Freud? bem legal

enquanto as meninas fúteis, se vc tivesse visto essas que estavam do meu lado enquanto escrevia me entenderia. pura Futilidade Malvada.

Carmim disse...

Nossa, texto profundíssimo. Fiquei uns minutos em silêncio a reflectir sobre o que li, mas continuo sem palavras para definir o que apreendi das tuas palavras.

Parabéns. Gostei!

Beijo.

Otávio B. disse...

Deus...
Que coisa linda e ao mesmo tempo agoniante.
Só falou mesmo a mulher chamar-se Lenore, ou ainda, haver um corvo gritando "nunca mais"...[risos]
Realmente você tem o dom, moça e a cada post eu admiro mais e mais vc e toda essa sensibilidade que você demonstra ter...

Beijos, and...
muito obrigado, vamos almoçar

BABI SOLER disse...

Bina,

Mais um texto incrivelmente perfeito.
Parabéns!
Beijo.

O Profeta disse...

Explêndido texto, a tua inteleclualidade é admirável...

Doce beijo

Hercília Fernandes disse...

Bina, de um modo geral, as pessoas têm medo de falar da "dor", sobretudo de escrever sobre dor, como se a dor não fizesse parte da vida, e não comportasse "beleza".
Os grandes filósofos nos dizem que a vida humana decorre, e permeia, dor. Mesmo as grandes tragédias humanas contém lá as suas doses de beleza.
Mas trazer à superfície as sombras do sotão, os arquétipos mais nefastos de nossa consciência, exige do autor uma certa sublimidade e domínios técnicos que somente a arte lhe é capaz de colorir, seja em versos e/ou imagens.
Costumo dizer que: "faço da minha dor beleza", e a beleza ultrapassa a condição de enfermidade do espírito.

Mais uma vez, parabéns pela profundidade de sua veia poética.

Hercília Fernandes disse...

Correção: onde se ler "as sombras do sotão", leia-se as "sombras do porão".

Anônimo disse...

MInha menininha você foi abençoada com a sutileza gritante de Clarisse Lispector, parabéns
Normalmente não tenho muito saco para blogs blog blogs Mas amei seus paradoxos amáveis... profundamente levianos ...
Hiperbólicos, nos fazem lembrar da necessidade do absurdo sutil desta vida, tão pretensamente racional
Nada como poder estar nesta espaço trasicional por entre dobras absurdas da realidade e além
você me tôca com sua poesia papo firme, sexy, adorávelmente amável, e sinceramente corajosa
Parabéns
realmente poesia é algo mais que linguajem e palavras... são víceras de sentimentos desejantes
São massagens de dentro para fora feitas com as mãos de luz e calor
Valeu!!!!