14.8.07

Não se mate, Ana

Ana, preciso te contar uma coisa.
Aliás, preciso contar algumas coisas que aconteceram por esses dias.
Espero não ser teu algoz, mas se pensares bem, verás que não é tão ruim assim e a vida continua.
Sabe o Ricardo, teu noivo? Pois é. Há uma semana soube que ele voltou com a ex-noiva dele, a Izabel. Mas não sabe como dizer que não te ama mais, nem sente mais tesão algum por você, e que voltou a namorar com ela. Vai entender os homens, né!
E anteontem, acidentalmente, ouvi o nosso chefe, o Dr. Arthur, dizer que pretendia te dispensar, em virtude de que tu, há pelo menos três meses, não tem conseguido alcançar a meta da empresa. Por este motivo te dispensaria no final do mês.
Ah, e sabe aquele apartamento que tu havias me emprestado para passar o final de semana? Bem, aqui estão as chaves. Só que houve uns probleminhas: vazamento nos canos de água da cozinha e, por falta de sorte, deixei dois incensos caírem em cima do teu sofá novo, e por conseqüência agora ele tem dois furinhos. Infelizmente estão bem visíveis, mas nada que um encanador e um estofador não possam resolver. Ah, e o ralo do banheiro entupiu também! Está uma desgraça aquilo lá, menina.
O teu gatinho que fica lá, o Flofy, que tu tanto amas, pois é, ele anda tossindo demais. Pode ser tuberculose ou algo assim. É melhor que tu o leves ao veterinário. Sabe como é, né? Bicho nessa idade... já viu!
Também tenho que te falar da tua mãe. Enquanto eu estava em seu apartamento, ela ligou achando que te encontraria por lá. Já que não encontrou, pediu que te desse um recado: ela descobriu que durante a tua juventude tu te relacionastes com mulheres, e por isso tu não serias mais filha dela, logo ela não te ajudaria mais com aquela tua mesada de dois mil por mês.
E a caminho daqui, eu ouvi na televisão que acabou esse lance sobre aquela pensão que tu pensavas em pleitear para pagar aquela tua dívida com este novo apartamento. Esquece.

Poxa, Ana. Por que está me olhando assim?
Não. Não vai chorar não.
Onde está indo? Não bota a cabeça dentro do forno não!
Larga essa faca!
Ei, volta aqui! Saia já de perto dessa janela! Não penses em pular do terceiro andar: só conseguiria quebrar uma perna.
Ana, Ana... Ana!
Ana, tente não se matar.
Pelo menos não essa noite.
Tu ainda tens que me pagar aquele jantar, pois ontem o Botafogo ganhou do Vasco, e tu perdeste a aposta que havíamos feito.
Bom, eu estou pronta. Podemos sair?


4 comentários:

Bassáltamo disse...

que texto leve e fluído. apesar de todas as más notícias manteve a sagacidade. retribuo os elogios. siga escevendo. :)

Edna Federico disse...

Nossa...riso...Deus me livre ter uma amiga tãoooooo sincera assim!

Anônimo disse...

Tadinha da Ana!
kakakaka
Depois de tantas desgraças só mesmo a morte!
Ou ainda ter que esperar para pagar o jantar.
rs
Adorei.
beijooo

anne fab disse...

adoro as 'Anas' das histórias. E como sempre são fodidas com a/pela vida...gostei dessa.
Quando não se resta muita coisa pra se fazer, o que fazer?
Vi uma Ana sem forças,e reparei que optou por fazer algo que, imagino, sempre fez: estar pronta, não bem, mas PRONTA!