15.7.07

Não

Olhando o quarto, entre os cabelos caídos sobre o rosto, ela procura os comprimidos. Pelas gavetas. Nos armários. Descalça, pés pretos, ela agora desobedece. Contraria a infância higienizada e protegida. A meninice desinfetada, de chãos limpos, pisos brilhantes, cheiro de pinho. A vida de regras, de pode-não-pode, de coisas proibidas. A vida de nãos: não solte as tranças. Não fale com estranhos. Fique longe das tomadas. Não deixe comida no prato. Não suje o vestido. Não fale palavrão. Não caia do balanço. Não ouça música alta. Leia apenas os clássicos. Não bata no seu irmão. Só coma coisas verdes. Não trepe sem casamento. Não use drogas. Não responda seus pais. Respeite seus professores. Não beba gelado. Não saia sem blusa. Não tome o sol do meio-dia. Faça o dever de casa. Não grite com sua mãe. Não coma porcarias. Cumprimente seus tios. Não ponha a mão na boca. Não aceite carona. Esqueça que há vida de madrugada. Não mostre a língua. Não deixe a camisinha. Não fale de boca cheia. Não durma até tarde. Não aponte. Não chore. Não tome remédios sem receita. Não mais que um comprimido. Não mais que dois. Três. Quatro. Não mais que dez. Não vomite sobre o tapete. Não morra. Idiota, não morra.

4 comentários:

Anônimo disse...

Me fez pensar...
Qual lado é mais egoista?
O que proibe ou oque desobedece?!

hehehe

=]
Sempre mui bom!

Poeta Punk disse...

porque contrariar o não e sempre tão atraente!?

Tadeu Ribeiro disse...

Sobretudo não pense, é claro.

Fernanda Passos disse...

Sobretudo transgrida!
Muito massa Gina.
bjs.